sexta-feira, 8 de abril de 2011

A Partida

Entretanto o céu se levanta sereno
E pomposo como para um dia de festa.
Lacretelle

Vês? No horizonte se debruça a aurora
Como um infante a rir;
As flores vão abrir-se; o luar se apaga;
Começa a vida; douram-se os outeiros...
Ai! e tu vais partir!

Partir quando este céu fulgia aos beijos
D'ignoto querubim!
Manhã do coração toldou-me o ocaso!
Nuvem negra por céu de madrugada,
Ou eça em seu festim!

E por que enviuvar das esperanças
A rebentar em flor?
Por que rasgar uma por uma as folhas
Da rosa da ventura embalsamada
Por um luar de amor?

Tu eras de meus sonhos de poeta
O beija-flor azul...
Eu te quisera, se te visse embora
Rotas as asas por noturno vento
Nos lodos do paul...

Eu te quisera inda a azular as pálpebras
A insônia dos festins.
Dera-te em cantos um dourado busto;
Do meu amor no seio dormirias
O sono dos querubins!

Eu era como o quebro ajoelhado
Ante o sol nascer...
Madona amorenada de meus cultos,
Ergui-te uma ara e no calor dos joelhos
Não dormi sequer!

E tu passaste adormentada e bela
Num berço de cristal;
Meu céu se iluminou por um momento,
Veio a realidade escura e fria,
Foi-se, foi-se o ideal!

Passou como um fantasma essa aventura
Criada em tanto afã.
E, como o cactus que à noitinha abrira
Asa de ventania perfumada,
Morreu na antemanhã!

Morreu sem sol a pobre flor dourada
Dos sonhos meus e teus!
Morno ideal de tanta insônia ardente
Que uma noite dormira embalsamado
No infinito de Deus.

Eterno vacilar da morte à vida,
Sorte da criação!
Sempre o verme onde a seiva se derrama,
Onde a vida palpita e ri mais verde.
Sempre a destruição!

É uma lei... Mas a esperança resta
No feto do porvir...
Talvez bem cedo o dia se levante,
E a noite sacudindo o luar das tranças
Descanse e vá dormir.

Mas, tarde ou cedo que esse dia se erga
E volte a rir assim,
Durma meu nome em teu seio de fogo;
Não desfolhes os lírios da lembrança
Ai! lembra-te de mim!

___
Machado de Assis

Nenhum comentário:

Postar um comentário