terça-feira, 3 de maio de 2011

peur

Um membro gangrenado é sempre, querendo ou não, um membro. Amputá-lo é, para além das adversidades causadas por sua falta, a desistência do contorno da enfermidade. Ademais, segundo relatos, o sujeito mantém a impressão da permanência do que lhe foi retirado. Chamam-lhe membro fantasma. O infeliz que perdeu a perna, puxa-o para a senhora passar; o desgraçado que teve a mão levada embora, intui dor nos dedos quando aproxima o toco do braço de um fio desencapado. Ambroise Paré, médico francês do século XVI, depõem o seguinte sobre o tal:

"Na verdade é uma coisa maravilhosamente estranha e prodigiosa, que seria difícil acreditar (salvo por aqueles que a viram com seus próprios olhos e a ouviram com os seus próprios ouvidos), que os pacientes se queixem amargamente, vários meses, após a amputação, de ainda sentirem uma dor excessivamente forte no membro já amputado."

Esse membro fantasma pode manter-se como um estranho infortúnio por tempo indeterminado. Certo momento, sabe-se lá quando, ele desaparece e as coisas parecem voltar ao normal. Os limites de si, bem ou mal, voltam a ser os limites físicos.

Voltando ao pré-operatório, é importante lembrar que a citada desistência não possui algo de covarde. Ela é, para todos os efeitos, o limite das possibilidades humanas e, na falta da imortalidade, sou dos que crêem nos limites humanos, sejam físicos ou emocionais. Estes últimos, aliás, possuem também seus próprios membros e, como não podia deixar de ser, estão igualmente sujeitos à gangrena.

___
"[...]meu sangue errou de veia e se perdeu[...]"

Nenhum comentário:

Postar um comentário