segunda-feira, 6 de junho de 2011

desejo falido

Ecoou grave pela confeitaria o susto do menino quando sua testa colou na geladeira das tortinhas. O tapa que sua mãe lhe pregara na nuca não fora delicado.

- Para com isso, moleque. Que fissura! Sabe que não pode!

O pobre diabo estava, havia uns bons pares de minutos – anos, para quem visse a certeza em seus olhos –, fitando um lindo doce, repleto de pêssegos e chantili; mas ao que pude entender, seu desejo era freado por uma alergia. Suas mãozinhas estateladas no vidro evitavam que seu nariz vermelho de gripe encostasse no mostruário gelado. A delicadeza de sua progenitora, no entanto, inutilizou esse cuidado.

- Ai! – Fechou o rosto e enrugou a testa, e indagou à mãe como o maior dos tiranos frustrados – Por quê?

- Já te falei, seu infeliz, que você tem alergia. Quer comer? Então come, mas tua garganta vai fechar e não sou eu quem vai te arrastar pro hospital!

- Mas por que ela faz isso pra mim? Eu queria tanto...

A inocência do pequeno, antropomorfizadora de tortinhas, comoveu a garçonete que lhe abriu um lindo sorriso, alisou seu infantil corte de cabelo e perguntou se ele não queria uma de morango.

- Não! – Respondeu logo o sujeitinho, com a testa já inchada, desvencilhando-se da moça e voltando o olhar para os pêssegos – Por que me fazem mal?

- Não é o pêssego que te faz mal, diabo! É tua saudezinha de merda que não da conta do recado! – Berrou de volta a mãe, deixando todos por ali desconfortáveis. É a mãe, afinal. Como interferir, certo? – Pega logo a de morango ou qualquer outra porcaria e vamos embora.

Ainda insistiu em não se mover por uns instantes, tentando saciar com a vista aquele misto de fome, uma infantil tara por doce e a ideia fixa de qualquer desejo negado. Com o rabo entre as pernas apontou os morangos e saiu segurando, não sem desgosto, o pratinho plástico e o frágil garfo dos pedidos para viajem.

Ao passar pela porta, cruzou um gordinho rosado, desses com o cabelinho repartido ao meio, com a mesma cara de nazista do pai. Acompanhou de vista o bundão até ele colar na geladeira que ainda estava com a gordurosa marca de sua testa, onde aquele finalmente apontou e ordenou a garçonete:

- A amarela!

Aquela noite o desgraçadinho arrotou tristes morangos por toda a madrugada, enquanto sonhava com os pêssegos que nem o nome tem de reconhecido, pelos que lhes comem como pequenos e patriarcas glutões.

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