quinta-feira, 31 de maio de 2012

do trem diário - parte I

O vagão parou. Meu corpo não respondeu, mas o fim do movimento foi nítido. Brusco e imperceptível. De início os olhos perdidos cantaram dúvida, mas o instante seguinte coalhou o ambiente de pavor. Os corpos movem-se lentos, em direção a frente do trem. Tudo tão devagar, lento, dançado, e todos entendendo que jã não possuem controle algum sobre seus movimentos.
Os cabelos ficando para trás, esvoaçantes em sua própria inércia. Peles que se retorcem como que esmurradas num ringue profissional.
Por que não me mexo? meu corpo está congelado, travado, como se nada estivesse acontecendo. A lentidão do desastre leva as súplicas ao limite, com íris que se dilatam, gritando o que o corpo emudeceu.
Reparo no garoto que estava ao meu lado, indo de encontro à senhora que antes se escorava na barra de apoio, que agora se funde com ela. Pele de sobra abraçando brilhante metal. A qual velocidade estávamos? 50, 60, 70 quilômetros por hora? São todos uma sádica versão em câmera lenta daqueles bonecos que se destroçam em testes de batida de carro. Corpos flutuando, reconstruindo anos de teorias corpo-tempo, dilatando o desespero de uma fração de segundos numa eternidade poética, quase valsada.
Sinto uma pressão nas costas, um bocado macia. Sinto junto o desespero de alguém que tem os órgãos pressionados e sente, segundo a segundo, a angústia da impotência. Demasiada experiência.
Os vidros, já estilhaçados, começam a alcançar os que estão próximos da janela. Peles macias e sujeitos incapazes de oferecer resistência, aprendendo que resignação não é arte que se aprende no instante, mas que faz falta tanto quanto ópio e vigor físico.

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