quinta-feira, 31 de maio de 2012

uma véspera


Trsss! É mais complicado que isso, mas o som de um fósforo que risca a caixa e começa a queimar, estalando sua delicada e anêmica madeira, é a única forma que encontrei para ilustrar minha cabeça nesse instante. Decerto que só uma tentativa de fugir de mim, esse inventar de histórias. Ao menos passo o tempo, espero o sono.
O teto dessa sala está sempre claro. Dias e noites podem iluminar a imundice que ocupa a parte de baixo da geladeira ou esconder armadilhas de comida e latas pelo chão. O teto, este porém, é sempre amarelo. Quem será que escolheu esses canos assim, pulando pelas paredes, furando o teto? Se pintassem de vermelho, desse com cara de salva-vidas, ao menos daria um ar kitsch para essa cova.
Os passos no corredor param cerca de dois metros antes de se alinharem com minha cama. Deve ser a puta da espanhola do apartamento ao lado. Como pode todo o sexo de flamenco de minha namorada ter sido parido de uma língua qu produz esse tipo de filha da puta? Não ouço-a, mas sua voz me atravessa o espírito com escárnio.
Procuro meu sono, mas não o acho. Confundo-o com aviões, com trepadas inesquecíveis que ainda nem vivi, com rejeição e azar.
Meu pé, esse ao menos, não fica balançando, como esses que provocam um som abafado e raspado que hipnotiza pela cadência de enfastio. Não sofro disso. Ao menos não disso. Quem sabe não seja apenas meu dedo se fingindo de morto, por tanto descuido.
C'est ma ticket. C'est ma billet du avión. Ma? Bosta! Não fosse o medo grande o bastante, coreografar uma conversa com alguém do consulado ainda me é obrigado a ser feito acompanhado de um alarme. Não tem cara de ser de um carro. Podia bem ser o malquisto daquele parasita careca, com quem me pego fantasiando um crime louvável.
Será que ela dorme? Desejo que sonhe algo bom.
Parou. Fazer o bem em pensamento, agradar Deus, se convencer de que isso pode mesmo desligar um alarme. Ponto final pro dia, pelo menos.
O olho que arde implora que seja a mente que paguenpor seus próprios pecados. Ocupe-se a sanidade da ansiedade. O corpo implora e o braço já sente.
Se vira.

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