sexta-feira, 21 de junho de 2013

sobre o joio, o trigo e o desespero

Caralho, o que está acontecendo?

O marulho da madrugada que me engole não fortalece o raciocínio, mas tange a eloquência dos respingos de olhos tão estatelados.

Porto Alegre, São Paulo, Fortaleza, Londrina, Belo Horizonte, Florianópolis, Aracaju, Vitória da Conquista... essas são as cidades noticiadas pela Folha. Essas são as cidades, noticiadas pela Folha, onde houve reação violenta dos manifestantes quanto à presença de membros de partidos nos protestos. Essas foram as cidades onde a Folha, talvez assumidamente, tenha presenciado o que de mais perverso tem acontecido no país.

Tive, ainda há pouco, diversos testemunhos de quem vivenciou a av. Paulista nesta noite de quinta feira. Nada do que ouvi, porém, teve parelho com os takes online dos jornais. Vivi relatos angustiados de quem desafiou, punho a punho, o neo-fascismo nacional.

Meu ímpeto por escrever esse texto se deu, principalmente, pela facilidade do discurso. Não o do meu discurso. Meu discurso é enviesado, rubro-negro, objetivado e, talvez, contraditório. Mas escrevo pela facilidade de conquista do discurso “anti-corrupção”; pela facilidade de conquista de uma bandeira verde-amarela; pela facilidade de permear terrenos do fascismo.

Há de se cuidar, num ambiente em polvorosa, das trilhas criadas pelo ímpeto. Às vezes, sabemos, ele acerta. Invariavelmente, entretanto, somos arrastados a armadilhas tristes.

Sejamos práticos: hoje, durante o que deveria ser uma festa-protesto chamada pelo Movimento Passe Livre, transformou-se numa demonstração do que há de pior no sentimento patriota. Skinheads, em sua acepção suja e conservadora, permeavam os espaços ocupados pelos manifestantes e faziam valer a persuasão emocional típica de momentos limite. Chamavam as pessoas à ação violenta contra as bandeiras partidárias e, não mais tanto surpreendentemente, angariavam adeptos sem muito esforço. Inúmeras pessoas, sem mesmo ter exata certeza do que faziam, bradavam palavras de ordem atrás dos skins, exigindo que se baixassem as bandeiras dos partidos. “Petralhas”, gritaram para militantes do PSTU. “Se a bandeira não baixar [...] o pau vai cantar”.

Jabor, Datena, Fátima Bernardes, Rafinha Bastos e a coitada de olho roxo, mesmo que não diretamente intencionados nesse sentido, alimentaram um veneno rancoroso tão mal direcionado, que a corrupção nos grupos políticos institucionais brasileiros se tornou o alvo central e, em sua personificação mais malacabada, o PT foi entalhado como o símbolo da desgraça brasileira.

Confesso, aqui, que não sou mais do que acham que ser petista é um ato político de resistência. Porém, tenho a obrigação de pontuar que, quando os punks e os anarquistas da cidade se sentem na obrigação de formar uma corrente de proteção ao PT, dentre outros tantos partidos políticos que possuem qualquer tipo de compromisso com os grupos sociais envolvidos na manifestação, algo deve ser assumido como embaralhado.

Nós –e aqui estou pontuando a largura máxima da boa vontade das pessoas que conheço e convivo– que estamos de alguma forma tentando afastar o peito dessa insanidade antes de apontar o dedo, temos de ficar alertas com os grupos, virtuais e citadinamente mobilizados, que estão se valendo de um discurso nacionalista para angariar adeptos a uma luta que só beneficia a direita conservadora brasileira.

O fascismo é uma caricatura mal feita de uma piada de domingo. Mas a piada de domingo só tem graça pois não faz mais parte de nosso convívio. Ou pelo menos não fazia.

Hoje me deito sabendo que o inimigo dorme ao lado. É meu vizinho, que tão bem intencionado cantou o hino nacional no ato de segunda feira, que hoje engrossa o caldo violento que tenta afastar as propostas críticas das manifestações.

Aqui em São Paulo, um pouco antes do pessoal dispersar, os integrantes Fo MLP foram expulsos a tapa da Paulista. Eles, que tiveram a nobre responsabilidade de, certa forma, responder por essa massa amorfa que gritava “vem pra rua vem”, foram postos pra correr do ambiente democrático que haviam idealizado. O role foi pervertido.

Há algo de golpista entrelaçando parte das entrelinhas desse discurso que evita citar a presença da extrema direita em São Paulo. Há algo de golpista pontuando as minorias vândalas, dando homogeneidade a manifestações absolutamente heterogêneas. Há algo de golpista na mídia.

Há uma morte oficial e outras tantas não declaras. Essa noite sangue corre nas vielas do centro de SP. Essa noite o vazio ideológico de um conservadorismo violento faz valer os dias de treino gastos em academias de muay thai.

Quebraram e queimaram bandeiras Brasil afora. Quebraram e queimaram bandeiras que não eram símbolos de opressão. Quebraram e queimaram, Brasil afora, em nome do Brasil, ideais.

O fascismo que se esconde na ação nacionalista é delicado. É delicado pois a bandeira é um símbolo que agrega, que representa. Nesse momento de instabilidade, “não somos partidos, somos o Brasil”, repetem. Não tem idéia do que repetem. Esse discurso, que coloca a adoração a um símbolo acima da reflexão e das relações sociais, justificou a primeira e a segunda guerra. Justificou ditaduras na Espanha, em Portugal, Itália, Chile, Argentina... Brasil.

Estou absolutamente confuso nesse instante. É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Brasília, Campinas, São Paulo, Belo Horizonte, Florianópolis... e tudo o que vejo é fascismo.

A festa cívica que a mídia está chamando não é mais o ambiente reivindicativo do início de junho. A horizontalidade do MPL foi posta abaixo por grupos que entendem o PT como o câncer do país. A horizontalidade do MPL foi posta abaixo por gente que acredita que o vermelho é a cor da doença.
Essa noite durmo mais rubro-negro do que nunca.

Durmo com o vermelho solidário dos camaradas que hoje peitaram o fascismo nas ruas.

Durmo com o negro apátrida de Malatesta e Goldman. Com o negro punk das esquinas da paulicéia.

Essa noite não durmo, de tanto que preciso dormir.

Peço, por fim –sem entender ainda que isso é um fim–, que atentem a qualquer grito patriótico tentador que possa ecoar nos ouvidos nesses dias. O hino nacional entoado nas escadas do metrô, hoje, só tendem a destruir qualquer processo libertário que possa ter construído essa possibilidade.

Ignore os fascistas! Ignore os conservadores! Fortaleça seu convívio crítico!

Diversas cidades estão em alerta as ações da direita!

Em meu nome, com carinho aos partidos que lutam, aos anarquistas, aos punks, aos libertários, aos comunas e fudidos na vida,

Bons sonhos.

Tom

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