quinta-feira, 4 de agosto de 2011

carta ao além

Meu bem,

Escrevo-te por desespero e você sabe disso. Afirmar o contrário seria enganar-te e já cansei disso. O fato é que já não entendo mais nossa história como separada dessas coisas –as que me desesperam. Não sei, na verdade, se elas estiveram separadas algum dia: é como se, de ainda desentendido do mundo, ele já me fosse desgraçado. As pequenas, distorcidas e picadas memórias de quando nem sabia o que elas eram, raramente são pontuadas por pipas e doce de leite, por mais que eles sempre estivessem lá. Os amores infantis mesclam-se com raciocínios funestos de quem ainda não aprendera lógica; e as amizades ficam esverdeadas quando sobreviventes em cartões de fim de ano. Se as crianças são puras e a corrupção fica por conta das cobras criadas, o serviço foi bem feito ainda no berço e, de tanto que temi tuas línguas, reverenciei a vida sempre ao largo, quando passava pelas curvas do rio, onde o covarde e o medroso tornam-se opacos ao lado de todos os girassóis que nunca apontaram o sol. Quando finalmente aportei nos prazeres, o serviço já estava feito e não me dei conta: consumi o cotidiano como se estivesse mesmo fazendo a coisa certa. Por que, minha querida, nunca me alertou com clareza? Por que nunca me fez respirar mais fundo pra segurar o tranco? Por que diabos me condenou dessa forma? Que espécie de sadismo cru é esse que te enche de luz?

Ai de mim, que temo o que me é único!

Ai de você, que pagará na mesma moeda!

Sinceramente,

Todo seu,

Tom
Inverno de 2011

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