sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

nó de domingo


Eu realmente não estava muito paciente quando aquela estranha, de vestido azul, puxou papo. Tentei me convencer de que minha indisposição era cansaço, mesmo sabendo das sorridentes noites seguidas, sem sono, que eu passara ao lado de F. Voltava para casa e meus olhos não estavam abertos a outra garota: tinha a minha e isso mais que me bastava.

Tentei ser o menos rude possível, mas acredito que minha cara de tédio não tenha colaborado, pois foi fácil desviar o assunto -sei lá se ela falava sobre como sua festa de debutante havia sido fantástica, ou se era a de sua irmã, não entendi. O burburinho começou próximo às primeiras poltronas do ônibus e, em segundos, todos tinham no rosto a expressão de horror por um acidente ao qual nos aproximávamos. O fato é que eu estava tão aborrecido com aquela guria que nem notei o ônibus desacelerar.

Nunca fui curioso pela desgraça alheia e quase rezei para que não parássemos ao lado daqueles dois carros batidos. A essa altura os comentários dos outros passageiros já me agoniavam o bastante e eu estava temeroso sobre meu bem-estar. Provavelmente por minha falta de fé, paramos exatamente ao lado do que se anunciava uma tragédia. Eu havia escolhido aquela janela por gostar de ver o mar antes de chegar em casa. Baixei a cabeça para não ver, mas os comentários maldosos do motorista  -algo sobre bêbados e turistas- me aguçaram a curiosidade de forma cruel: houve então que descobri, em três exemplos de uma só vez, em quantas lascas um ser humano pode se desfazer.

Se não me falha a leitura de algum texto, foi Heidegger quem descreveu a angústia como o mais humano dos sentimentos, por ser nele que nos encontramos com o mais complexo do irracional, o mais direto de nossas vísceras. Difere do medo pois não tem um por quê: apenas se cria e existe em nós sem ter pai.

Lembrei de F. e de como, em certos momentos de sobressaltos do inconsciente, temia perdê-la. A sensação era a mesma, como se uma traição pudesse doer como a morte. A dilaceração daquelas pessoas, ali na minha frente, aos pés de uma mulher sem reação, fizeram-me reviver as trevas da solidão. Não significava nada àquelas pessoas, nem elas a mim. Fechei os olhos e experiencie o abandono apenas nos comentários daqueles egoístas.

Criamos a paz na companhia do outro. Nos fazemos existir justamente no altero. E tudo que eu tinha era uma idiota de vestido azul, enquanto sonhava com braços de dor real como a morte, mas que sabia meus.

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